“Comunhão de oração e de caridade”

Reflexão sobre o ideal regular-canonical


Dom Tomás, abade geral emérito
Na comunicação da morte do abade emérito Piet Wagenaar foi destacado que os três “C”, ou seja “Comunhão”, “Culto” e “Caridade” foram as três colunas principais da sua vida, que orientaram sua vida e que ele considerou como constitutivos para a sua comunidade. Elas podem ser consideradas como uma variante dos conceitos habituais “comunhão” – “ação” e contemplação”, talvez um pouco mais centrada navida e atividade canonical. Uma prece no breviário se formulou assim: Senhor, faz de nós uma comunidade de oração e da caridade”. Esta prece é quase dita sem atenção, pois ela vem sem chamar a atenção. Porém, nesses três conceitos de “comunhão”, “oração” e “caridade”, como também nos três “C” já mencionados, pode descobrir-se toda a essência da vida canonical. Aquela prece, então, será interpretada assim e pensada para nossa vida atual premonstratense. Particularmente, neste ano jubilar de 900 anos de Prémontré pode ser um intento de encontrar o ideal original de São Norberto quando fez em 1121 com treze companheiros a profissão e assinou o documento no altar em Prémontré. Nesse gesto consiste o começo da Ordem Premonstratense, é isso que a Ordem celebra durante todo o ano jubilar .

Comunhão de oração e da caridade
Na vestição, o prelado pergunta ao candidato: “Que desejas?” A resposta é: “A misericórdia de Deus e a comunhão com esta igreja”. O candidato se decide em primeiro lugar por uma comunidade concreta, eleita por ele e, na qual espera progredir no caminho para Deus. É finalmente uma decisão a favor de um caminhar juntos, sabendo que tem vários motivos que levam à entrada. No caminho, devem esclarecer-se as motivações difusas, muitas vezes inconscientes e idealizadas, deve reconciliar-se com a realidade encontrada, as motivações todas devem purificar-se através de um processo de desilusão.A fase do namoro deve mudar-se numa caridade mais madura e numa lealdade com os irmãos. A fascinação inicial a respeito do caminho eleito deve transformar-senum processo de busca e conversão que dura a vida inteira. A promessa de “estabilidade e conversão da vida” se concretiza então num projeto comum de vida entregada (offerens trado meipsum) e de seguimento conforme os três conselhos evangélicos. Trata-se, então, de continuidade, de inovação, de fidelidade, de perseverança, de permanente renovação e de reflexão que leva à correção. Nisso a comunidade tem um papel importante, enquanto se compreende como peregrina, refletindo sempre de novo sobre seu caminhar.Porque o irmão que nos ajuda nos corrige também, quem nos acompanha nos impulsa também, quem se torna amigo pode também escandalizar-nos. Dietrich Bonhoeffer disse: “O Cristo em meu próprio coração é mais fraco do que o Cristo na palavra do irmão”.A sensibilidade mútua e a predisposição favorável para com os outros, com jovens e idosos, com o superior e o simples irmão exige uma atitude reservada e uma estima mais alta do outro do que de si mesmo. A atitude é recíproca, como se vê na recomendação de São Paulo: “Carregai o peso uns dos outros” (Gal 6, 2).
A isso refere-se uma pintura que se encontra na antiga abadia de Rommerskirchen e que não é muito conhecida na iconografia da Ordem. Ela mostra três premonstratenses, um deles deve ser abade ou bispo, pois usa a cruz pectoral. Ajoelha-se devotamente e junta

as mãos enquanto recebe a santa comunhão de um irmão que lhe oferece o Corpo de Cristo. Na mão esquerda tem uma patena. Atrás dele encontra-se um outro irmão com o óleo para a unção dos enfermos. Entre o ajoelhado e os dois outros irmãos aparece algo como uma nuvem que indica que há uma aparição. Trata-se de uma cena imaginária que contém uma verdade consoladora. Dois irmãos atendem um irmão muito doente após ter sido encarcerado e torturado, administrando-lhe o viático e a extrema unção dos enfermos.Trata-se dos três bispos premonstratenses de Ratzeburgo: S. Ludolfo (+ 1250) S. Evermodo (+1178) e S. Isfredo (+ 1204). Num conflito com o conde Alberto de Sachsen-Lauenburg, São Ludolfo foi encarcerado e gravemente torturado. Pouco antes de sua morte, ele foi libertado; morreu em Wismar, no dia 29 de março de 1250, “como mártir na defensa da liberdade da Igreja”
A morte e a tumba de S. Ludolfo suscitaram lendas e curas milagrosas. Assim nasceu a piedosa lenda segundo a qual, antes da morte de Ludolfo, os seus dois predecessores Evermodo e Isfredo lhe tinham aparecido e administrado os sacramentos. Eis a cena representada de maneira impressionante na pintura barroca. Há uma estampa gravada de C. de Mallery com uma representação semelhante. Mas, nela os dois irmãos bispos S. Evermodo e S. Isfredo oferecem ao bispo Ludolfo ‘somente’ o “cálice da salvação” (“Calicemsalutishauriendum”).
Assim, uma imagem expressa claramente o significado e a função da vida comunitária. Cada membro de um convento se situa dentro de uma longa tradição de confrades que viveram e trabalharam antes dele e que formaram sempre a “Igreja” de Windberg, Roggenburgo,De Pere ou Ratzeburgo, e a formaram para além da morte.Eles são comemorados pela leitura diária do necrológio, como também pela oração para os defuntos no dia 14 de novembro, o dia de todos os defuntos da Ordem. Porém, comunhão significa igualmente um estar lá para o outro, vir a ter responsabilidade para o outro, acompanhá-lo em todo estado, especialmente quando frágil, enfermo ou com necessidade espiritual, procurando oferecer a ajuda e a consolação da Igreja. Somos responsáveis por nós mesmos, mas igualmente pelo outro, pelo confrade, por seu bem-estar físico e espiritual. O responsável pelos enfermos numa comunidade não pode limitar seu serviço à dimensão física; apoiado pela comunidade, ele acompanhará o sofrimento e a morte do enfermo. Na administração da santa Comunhão e da unção veem-se o cuidado espiritual e sacramental. Sejamos uns para os outros como pão e óleo que alimenta, fortalece, cura e suporta. É o que Agostinho nos prescreve já na primeira frase da sua Regra:“Carissimos irmãos, antes de tudo, amai a Deus e ao próximo, porque, para nós, estes mandamentos foram dados de modo todo especial” (Ordo monasterii). “A vocês que formam uma comunidade religiosa recomendamos observar o seguinte. Primeiramente, convivam em unanimidade, tendo uma só alma e um só coração, caminhando para Deus” (Regra 1, 1-2). Depois disso, há no quinto capítulo um trecho com orientações muito práticas relativas ao cuidado dos enfermos (Regra V, 5-8). Elas provêm do mandamento da caridade fraterna. Pois, a nossa convivência diária deve estar impregnada com o espírito do apóstolo que nos exorta “a ter carinho uns para com os outros, cada um considerando os outros como mais digno de estima” (Rm 12, 10). Após essa exortação (Constituições, cap. 32) segue o capítulo sobre a assistência dos enfermos, onde ao lado da fraterna preocupação e do zeloso cuidado fala-se do fortalecimento pela unção dos enfermos. “Toda a canonia se preocupará pelos irmãos enfermos e de maior idade” (Cap 33). Para essa preocupação podemos encontrar um exemplo e uma inspiração nos três santos da nossa Ordem, nos bispos de Ratzeburgo,Ludolfo (26 de abril), Evermodo (17 de fevereiro) e Isfredo (15 de junho).
Oração Senhor, olha minhas mãos vazias. Sempre eu te pedia de enchê-las. Hoje as estendo para ti, cheias de gratidão. Quero agradecer-te por minha vida,por todas as experiências de alegria e carência, pela comunidade para a qual me chamaste. Agradeço por todos aqueles que convivem comigo. Agradeço te, Senhor, porque me amas, porque amas a cada um de meus irmãos, porque queres viver comigo em amizade, porque nos tens criado e nos leva a progredir juntos no caminho para ti, para encontrar juntos e definitivamente em ti a nossa felicidade e salvação .Amém.
Comunhão de Oração e Caridade Todos nós conhecemos o dito beneditino: “Ora et labora”, porém, este não se encontra nem na Regra nem na Vida de São Bento. Foi encontrado num escrito polémico luterano contra Matthias Flacius e Nicolaus Gallus: “Tu lector vale, ora et labora” (Tudo bem para ti, leitor, ora e trabalha). Então, o arquiabadeMaurusWolter o caracterizou como “o antigo e famoso lema dos monges” .
Neste segundo ponto se trata do “ora” e da “comunhão na oração”. Na minha entrada em Windberg, a oração, a liturgia, o culto e a contemplação eram ainda a tarefa principal da comunidade, o real e unicamente necessário. Lembro-me dos sete ofícios da liturgia das horas (laudes, prima, terça, nona, vésperas, leituras do dia seguinte, e para encerrar o dia o completório às 21 horas; ademais havia um capítulo, uma missa solene e o rosário). Segundo Johannes Hauk a oração é a veia vital da relação com Deus, a oração comunitária no coro, a oração pessoal no silêncio, durante o dia inteiro, se é possível.Na oração, o coração como centro da pessoa e quintessência (auge) de todo o homem entra com todas suas emoções, conscientemente, na presença de Deus, para escutar, suplicar, receber e responder com gratidão e louvor; dessa maneira haverá concordância entre o coração, o sentimento, a inteligência e a voz durante a recitação dos salmos e o canto de hinos(“mens concordetvoci”) . Eis uma ideia que vem da Regra de Agostinho e que teve influência sobre S. Bento. No capítulo segundo daquela Regra que trata da oração, é muito breve porque concerne ao mais evidente na ‘comunicação com Deus’. Agostinho encomenda uma oração zelosa, advoga um espaço reservado para a oração (o oratório) e admoesta a aderir às orientações para o canto. Porém, a sua verdadeira solicitude concerne à concordância do coração com a boca, do interior com o exterior, da adesão interna com a recitação e o canto “versetur in corde quod profertur in voci”). Rejeitaos costumes, os hábitos rotineiros, a prática sem pensamentos, o puro cumprimento da obrigação.Sem adesão interior, sem atenção ou profundidade no coração, a oração se torna pura articulação labial. “Nas vossas orações, não useis de vãs repetições,como os gentios”(Mt 6, 7). Apanhamo-nos continuamente distraídos, alheando-nos do que estamos fazendo.
Ao invés das poucas indicações na Regra de Agostinho, as nossas Constituições dedicam vários capítulos extensivos à oração, intitulados de “Comunhão através da liturgia” (Cap 34-43). Toda a comunidade é responsável pela realização diária da “oração pública da Igreja” (34). A oração da Igreja, o sacrifício de louvor oferecido a Deus em palavras e atos está no centro da nossa vida de cônegos regulares (35). A celebração festiva e pública do ofício das horas constitui um elemento capital em nossa ordem do dia, porque a nossa profissão canonical nos obriga a prestar esse serviço a Deus (40). Acrescenta-se, porém, que aquela oração exigida deve estar em harmonia com as circunstâncias atuais da vida, como também com as obrigações particulares da vida comunitária e de nossas atividades apostólicas. Lá aparece uma tensão, às vezes um conflito, quando as muitas tarefas nos atiram para o exterior enquanto que na casa faltam irmãos para a oração comunitária. Não há nenhuma receita patenteada, só vale apelar à boa vontade. Às vezes se poderia mais e, cada participante fortalece o empenho do outro. Estar presente na casa enquanto os outros rezam, não é realmente previsto e é dificilmente defensável. As Constituições falam primeiro de uma atenção obrigada e da liturgia das horas como santificação do dia; uma supressão do ofício exige um motivo muito grave (41). Estamos obrigados, como clérigos, a rezar o ofício das horas seja em coro, seja individualmente.Ao lado da oração comunitária trata-se também da oração pessoal. “Pela oração perseverante louvamos o Senhor e intercedemos para a salvação do mundo inteiro” Agarrar-nos a Deus e guardar-nos numa relação confiante com Ele através da oração são duas atitudes básicas do homem, particularmente daquele que se entregou pela profissão (42). A oração pessoal fecundará a comunitária.
No capítulo IV da Carta Apostólica “Gaudete et exsultate” , o Papa Francisco dedica à oração, como se podia esperar, todo um trecho, intitulado “A oração permanente”(147-157) em oposição a “várias formas de espiritualidade falsa”. Ele anima a buscar a santidade e acha que “o santo é um homem com um espírito de oração, um homemque precisa da comunicação com Deus. Como apoio cita um texto de São João da Cruz: o homem se esforçará a “caminhar sempre na presença de Deus – seja ela real, ou imaginária ou unitiva – conforme o que as obras em execução permitem” (148). Teresa de Ávila chama a oração de um viver na amizade no qual muitas vezes conversamos só com Aquele do qual sabemos que Ele nos ama”. “A oração confiante é uma reação do coração que se abre face a face com Deus, enquanto que todas as palavras se calam a fim de escutar a voz suave do Senhor”(149). O Papa adverte que toda a nossa ação litúrgica poderia ser pura ‘decoração’ que apaga ou dissimula o evangelho sob formas exteriores ou pela realização de exercícios obrigatórios.“Para cada discípulo é indispensável estar com o mestre para escutá-lo e aprender dele, sempre de novo. Sem ouvi-lo, a nossa fala torna-se puro barulho inútil”(150). Seguem algumas perguntas para concretizar o duramente formulado:
Há momentos nos quais tu te colocas em silêncio na Sua presença,sem pressa demoras com Ele e te deixas observar por Ele?
Permites que o seu fogo inflame teu coração? Senão, como poderias inflamar o coração de outros com teu testemunho e tuas palavras? Por que não consentes que o calor e a ternura de seu amor te aqueçam e ‘esquentem’? Não acreditas que Ele pode curar-te e transformar-te? Ouvimos lá a maneira de expressar-se de Bernardo de Claraval que aconselhou uma vez a seus irmãos “penetrar no interior de Jesus, mover-se para as Suas chagas, porque a sede da misericórdia encontra-se lá” .

Adoração Aqui o Papa Francisco leva ao“silêncio orante” que não devemos considerar como fuga do mundo senão como um salto na sua realidade, ou, muitas vezes, como um aguentar a sua incompreensibilidade, como sofrimento por causa de sua ausência presumida. “Quando realmente acreditamos a existência de Deus, não podemos deixar de adorá-lo, às vezes com a ideia de um silêncio encarregado” (155). Charles de Foucauld fez esta experiência:“Desde que comecei a acreditar que Deus existe, compreendi que não podia fazer outra coisa senão viver somente por Ele”.
Na tradição de nossa Ordem há muitas representações que mostram São Norberto em adoração diante do Santíssimo no ostensório. Esta forma iconográfica nasceu somente no tempo da contrarreforma. Mesmo se, no tempo de S. Norberto, não existia aquela forma de adoração, encontram-se na sua vida várias indicações de uma profunda devoção eucarística. Mencionemos o que passou em Antuérpia a respeito da heresia eucarística de Tanquelmo, a cura do cego em Würzburgo, o milagre com a aranha em Rolduc ou o incidente em Floreffe, quando Norberto constata uma gota de sangue na patena .
Na residência do pároco da paróquia São José em Breiendiel (Miltenberg) encontra-se uma pintura que mostra São Norberto e a Beata Gertrudes ajoelhados em adoração diante do Santíssimo, visível numa nuvem brilhante na custódia. Vestido para a oração coral, com palio e báculo, São Norberto põe a mão esquerda humildemente sobre o coração e olha para o alto. Um pouco mais no centro, a Beata Gertrudes de Altenberg , juntando as mãos, olha confiante para o alto. Provavelmente feita por Johann Jakob Conrad Bechtold (1698-1786), a pintura dá um lugar mais central às premonstratenses, às cônegas regulares. O que aqui é representado de maneira impressionante, a adoração eucarística de nosso fundador São Norberto e da Beata Gertrudes, traduz-se durante o Capítulo Geral de Rolduc em 2018, com a aprovação da maioria, nas Constituições renovadas. No trecho intitulado “Comunhão através do apostolado”, lê-se agora: “Conforme a herança espiritual da nossa Ordem, a adoração do Santíssimo Sacramento do altar será especialmente cultivada na nossa vida e atividade pastoral”.
Esta forma de adoração pratica-se intensivamente em muitas casas da nossa Ordem e,

explica uma palavra do Papa Pio X ao abade geral GumaroCrets (1922-1937): mesmo sem ser uma “Ordem eucarístico” como aquela fundada por Pierre Julien Eymard , “Ordo vester est eucharisticegloriosus et gloriosuseucharisticus”.
3 Comunhão de oraçãoe de Caridade
Nos “Exercícios Espirituais” de Santo Inácio de Loyola encontra-se a “Meditação para chegar a viver a caridade”. Toda meditação e contemplação, toda oração e adoração deve finalmente transformar a vida, conduzir a agir, levar a praticar a caridade. Aqui trata-se agora da terceira coluna: da caridade.
Com razão, nas Constituições diz-se, numa forma realmente lírica: “A comunhão nas nossas comunidadesdeve, conforme a doutrina de Santo Agostinho, transbordar numa caridade que envolve todos os homens”. Assim, vai em duas orientações: para o interior afim de construir a comunidade em caridade, e para o exterior, voltando-nos com caridade para o povo para a qual somos enviados. As nossas Constituições destacam que a opção por obras apostólicas deve tomar em conta as mais urgentes necessidades da Igreja e do mundo, em primeiro lugar no nível diocesano, mas tendo também a disponibilidade para servir no nível mundial. A respeito disso indica-se “o espírito missionário de São Norberto que impregnou nossa Ordem desde o início” (50). Uma dupla intenção determinará o nosso serviço externo: “A missão de nossas igrejas não consiste somente na proclamação aos homens da mensagem e da graça de Cristo, senão também, na transformação do mundo pelo espírito do evangelho, o que implica também a construção da comunidade humana na caridade. Visto que estamos sumamente ligados com toda a família humana e seu desenvolvimento, temos de colaborar, enquanto possível, com outros homens para construir um mundo mais humano, orientado para o serviço dos homens e das mulheres” (51).
A construção da comunidade é o nosso primeiro apostolado; a missão para os homens é nossa tarefa mais linda. Os cônegos de Agostinho dizem que “comunhão e serviço” se determinam e condicionam mutuamente. Pertence à tarefa bíblica ser “uma cidade situada sobre um monte” (Mt 5, 14), “luz do mundo” (Mt 5, 14), “sal da terra (Mt 5, 13), e assim trabalhar e irradiar; isso se torna somente possível quando não somos insípidos, quando propagamos luz, quando se mantém unida a nossa cidade-comunidade. A força da irradiação depende da autenticidade e vitalidade de nossa comunhão. Considerando a Igreja em geral, o Padre Alfred Delp, sj, disse: “A força da imanente missão da Igreja depende da sua entrega transcendente”. Em palavras mais simples: Podemos dar somente o que possuímos, o que vive em nós, ou segundo o lema dominicano, o que trabalhando e meditando conseguimos: “contemplare et contemplataaliistradere”, o que vive em nós como fogo, como fervor e paixão.Inspirados pela “entrega transcendental” e apoiados pela oração dos irmãos, somos enviados para trabalhar no mundo, construindo nele Igreja igualcomo fazemos no interior da nossa comunidade. Somos enviados para acompanhar homens no seu caminho da fé, para que possam experimentar um pouco a misericórdia e a proximidade de Deus e compreender como Ele se revelou e se comunicou através de seu Filho Jesus. “Quem me vê, vê o Pai…..Crede-me: eu estou no Pai e o Pai está em mim” (Jo 14, 9, 11). Quem nos vê, vê…! A quem nos deixamos ver, a aquele que nos considera como enviados? Vale talvez também para nós o que Madeleine Delbrêl, uma escritora, trabalhadora social e mística, (1904-1964) disse: “A vida consiste na prática de um apostolado”. Tendo encontrado o caminho para a fé, ela se instalou num bairro popular de Paris, onde queria “diminuir sofrimentos” e “testemunhar humanidade que vai além do puro humano”.
Chama a atenção que Norberto promoveu apaixonadamente a paz e a harmonia entre os homens. Isso não era para ele uma tarefa pessoal ou uma missão particular, ele o considerava como sua missão fundamental e seu apostolado básico: levar para os homens a paz de Cristo, para estimular as pessoas a viverem em paz com Deus, consigo mesmo e com os outros. Norbertoera famoso como ‘apóstolo da paz’ e da reconciliação’- assim o descrevem as Vita A e Vita B, dedicando-se incansavelmentepara harmonizar e reconciliar, para queentre partidos conflitantes haja paz e um novo começo.Na sua conversão encontrou a sua vocação e, como ‘homem de paz’. Norberto começou a pregar.

A gravura XIII de um ciclo sobre a vida de S. Norberto mostra como Norberto em Fosse, perto de Namur, reconciliou dois partidos inimigos, colocando relíquias entre eles.O epígrafe na imagem diz:” Como excelente mensageiro da paz cristã, ele prodigiosamente reconcilia inimigos, colocando entre eles santas relíquias” De baixo da gravura encontra-se uma explicação poética: “Com um ramo de oliveira na mão, ele aconselha uma aliança de paz e, conforme os costumes, a confirma acima de ossos de santos. Muito bem!Os santos descansam agora na santa paz; então, não seria bem-vinda a paz para aqueles que, vivendo na terra,devem tornar-se santos?” Norberto mantem na mão um ramo de oliveira, o que o identifica como fundador da paz. Estava convicto que a missão de evangelizar incluía a construção de paz: “Deixo-lhes a paz, dou-lhes a minha paz”. Norberto era capaz de defender os interesses próprios ou da Igreja, porém dava mais importância a promover a reconciliação e a paz entre homens, a aplacar rixas, a solucionar desinteligências, e a fundar a convivência sobre a base de justiça e aceitação. Mas, apesar de toda mediação e ajuda que ele oferecia, Norberto descobriu que finalmente só a súplica para a paz e força do alto podiam mover e abrandar corações. Na sua última encíclica, ‘Fratelli tutti’, o Papa Francisco escreve sobre “o amor que é mais do que atos generosos”. O que ele escreve a respeito da convivência no mundo e na sociedade vale igual e particularmente para a convivência nossa como comunidades canonicais. Por causa da sua natureza, o amor para com o outro nos obriga a buscar o melhor para sua vida. Só quando tal tipo de relacionamento se desenvolve, será possível uma coerência social que exclui a ninguém e uma fraternidade que está aberta para tudo. Isolando-se, ninguém madurece ou se realiza bem. Por sua inerente dinâmica, o amor deseja uma progressiva abertura, uma capacidade cada vez maior de aceitar os outros, numa aventura sem fim, que deixa crescer em todos os marginalizados a plena consciência de uma pertença comum. Jesus vos diz: “Todos vós sois irmãos”(Mt 23,8).
Finalmente o nosso olhar volta-se para São Norberto: faz 900 anos que ele tomou a iniciativa de construir radicalmente uma “comunidade canonical de oração e de caridade”. Numa oração poética a São Norberto, Marie SidoniePurschke diz o seguinte:
Cada um não é capaz de animar com palavras ardentes a favor de Deus e da doutrina cristã, como tu, Norberto, o fizeste, semeando caridade em vários lugares. Mas cada um, seja quem seja, pode, como um apóstolo, praticar a sua fé e acolher fielmente os pobres e abandonados. Tu, imagem de augusto zelo, em honra de Deus e para a bênção da humanidade, oxalá possas mover o nosso coração a proteger generosamente os pobres.

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