Oração, Paz, Pobreza – o nosso ideal canonical?

Dom Tomás, abade geral emérito

1Três “P”  Num encontro do Papa Francisco com o arcebispo Justin Welby de Canterbury, aos 13 de novembro de 2020, o Papa disse que se lembrava dos três “P” que o arcebispo  tinha mencionado num encontro anterior, ou seja o “P” de ‘prayer’, o “P” de ‘peace’ e o “P” de ‘poverty’.[1] Estas três palavras-chave tinham-se guardado na memória do Papa; como jesuíta ele tinha usado esses três ‘pontos’ nas suas pregações e nos seus escritos, mostrando assim a sua convicção a respeito destes três princípios básicos da vida cristã. Aqui, estes princípios se tornarão uma ajuda orientadora para entrar mais profundamente na espiritualidade canonical;chamamo-los normalmente de ‘contemplação’, de ‘ação’ e de ‘comunhão’. Então, ‘Prayer’, a oração, estará no lugar de ‘contemplação, ‘Peace’, a paz será como um lema para todas as formas de nossas atividades internas e externas(ação), e ‘Poverty’, pobreza será a descrição da essência de uma vida comunitária que depende da partilha e da solidariedade(comunhão).

2“P” de prayer   Outros nos ensinaram a rezar. Normalmente somos introduzidos na oração desde a infância; somos formados e levados pela oração de outros. Alguém rezou em nossa presença e nos convidou a rezar com ele; ele criou um ambiente de oração para voltar-se em confiança para Aquele que é nossaorigem e nosso destino. No começo eram orações bem formuladas, como o Pai-nosso, a Ave-Maria, ou orações de crianças no fim do dia,ou antes das refeições.Depois houve também formas livres de oração: degratidão, de súplica, de intervenção para outros ou para certas circunstâncias. Finalmente, a oração se tornou mais pessoal e livre, mas havia a experiência da intermitente insuficiência da língua; assim, a volta para orações pré-formuladas se mostrava bem útil.                                                                                                                                                   A oração não é uma atividade evidente; sempre exige um voltar-se conscientemente para Deus e um abrir-se ativamente, e entrar em relação com o totalmente Outro. Um livro de Karl Rahner é intitulado de ‘Necessidade e bênção da oração’. Os discípulos de Jesus o experimentaram assim, apesar da sua formação na antiga tradição judaica da oração. Constataram como Jesus se retirava frequentemente, às vezes durante uma noite pela qual, rezando e meditando, espera-seo novo dia, estando bem aberto para a ‘nova Manhã’, querendo estar bem desperto para o “Sol nascente que nos vem visitar”(Lc 1, 78).“O novo dia” é sinônimo do próprio Senhor que, nestes momentos preciosos, vem ao nosso encontro[2]. “Já desde a manhã venho para louvar-te”; e o salmista reza: “Minha alma aguarda o Senhor mais que os vigias pelaaurora” (Sl 130, 6). As laudes da Igreja assumem esta atmosfera fundamental, a transição da noite para o dia, da escuridão para a luz, da inconsciência para o espírito consciente, da sonolência para um espírito desperto, do levantamento para a ressurreição, da morte para a vida daquele que doa e sustém a vida. Com a primeira luz da madrugada começam uma nova promessa e novos desafios. “Abri os meus lábios, Senhor, e minha boca anunciará vosso louvor”. Com esta invocação os monges abrem o dia. Um hino do breviário alemão diz; “Passou a noite, nós esperamos o novo dia e te saudamos, Senhor. Já nos chama o  pombo, nós ouvimos o chamadodo Senhor a quem desejamos seguir. O nevoeiro foge diante o brilho e a força de Cristo que vem. Louvamos o Pai e celebramos no Espírito o Sol da salvação, o Cristo glorioso.”

Outro hino diz: “Veja como diminuem as sombras da noite: o clarão avermelhado brilha no céu matinal. De uma só voz, rezemos intensamente ao Deus onipotente. Que Ele, cheio de amor, tenha misericórdia de nós, que Ele nos proteja, elimine nossa lentidão e, por sua bondade nos conceda a herança celeste. Louvado seja o Pai no alto céu, louvado seja o Filho, Deus nascido de Deus, louvado seja sempre o Espírito que vem do Pai e do Filho”.                                                                                                                                                                          Tal oração sobe, em união com a natureza e em memória da própria criatividade, para louvar e celebrar Aquele que é origem e futuro de tudo. Essa oração é como unir-se com a origem da vida, do cosmos e da luz. Uma oração que é expressão do louvor e da gratidão, expressão da alegria de viver, inspirada pela prática do Senhor: “Eu te louvo, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste estas coisas aos sábios e doutores e as revelaste aos pequeninos. Sim, Pai, porque assim foi do teu agrado” (Mt 11, 25-26).

Faz pouco tempo, o Papa Francisco disse numa mensagem de ‘tweeter’: “Aquele que reza é como um namorado; leva sempre a pessoa amadano seu coração, não importa onde se encontre. Assim nos é possível rezar em todo tempo e em toda situação da vida diária: no caminho, no escritório, no trem, com palavras e no silêncio do coração. Esta é a impressão que Jesus dá, quando reza a seu querido Pai: “Rezar como um namorado!”Na sua audiência geral enviado por videostream no dia 10 de fevereiro de 2021, o Papa desenvolveu o tema: “Quem reza é como um namorado que leva sempre a pessoa amadano seu coração, não importa onde se encontre. Efetivamente, tudo entra nesse diálogo. Toda alegria se torna motivo para louvar, cada provação ocasiona uma súplica de ajuda. A oração é sempre viva na vida, como um fogo ardente.Mesmo quando a boca silencia, o coração fala. Cada pensamento, mesmo aparentemente ‘mundano’, pode ser penetrado pela oração. Também na inteligência humana há um aspecto orante, porque é uma janela que se abre ao mistério. Este ilumina os poucos passos que vamos dar e se abre, então, para toda a realidade – aquela realidade que precede e excede a inteligência humana. Este mistério não se mostra de forma inquietante, não; o conhecimento de Cristo nos dá a confiança de que, onde os nossos olhos e os olhos de nosso espírito não alcançam mirar, não há o nada, mas existe algo que nos espera, uma graça infinita. Assim a oração cristã induz no coração humano uma esperança invencível: seja qual for a experiência feita no nosso caminho, o amor de Deus pode conduzi-la para o bem. O Catecismo diz: “Seu Espírito nos é oferecido em todos os tempos, nos acontecimentos de cada dia, para fazer jorrar a oração… O tempo está nas mãos do Pai; no presente é que nós o encontramos, nem ontem, nem amanhã, mas hoje.” (n. 2659). Hoje me encontro com Deus; sempre existe o hoje do encontro. “Oxalá ouvísseis hoje a sua voz!” (Sl 95, 7)

A oração acontece no presente. É hoje que Jesus vem ao nosso encontro, vem no hoje no qual vivemos. E a oração transforma esse hoje em graça, – ou melhor: a oração nos transforma.  Suaviza a ira, apoia o amor, multiplica a alegria, induz a força do perdão. De certa maneira, nos parecerá que já não somos nós que vivemos, senão que a graça vive e trabalha em nós pela oração… A oração é ‘positiva’, sempre. Ela nos adianta. Todo novo dia, começado e aceito pela oração, recebe coragem e assim osproblemas que devem ser enfrentados não se tornam obstáculos para nossa felicidade, mas são um apelo de Deus, uma oportunidade para encontrá-lo. Quem se sabe acompanhado por Deus, se sente mais corajoso, mais livre e também mais feliz.

A oração é como uma imersão na realidade divina, como uma ardente aspiração daquela esfera distinta, um abrir-se no espaço do amor infinito. “A oração nos torna dispostos para um amor infinito”. É precisamente aquela atitude que nos torna capazes de rezar por tudo e por todos, mesmo por nossos inimigos, assim como Jesus nos ensinou. Esta oração pelos outros, – por nossos queridos, mas também por aqueles que cruzam nosso caminho e nos encontram de alguma maneira,-  nos liberta de estar centrados em nós mesmos (autoreferentialitá) e amplia o horizonte . Pela súplica e a oração de intercessão levamos para Deus os desejos e as preocupações alheias. O Senhor já conhece nossa necessidade e a dos outros, mas essa oração nos muda, abre- noso olhar e torna nossa atenção desperta diante dos outros. Rezando assim, nos tornamos semelhantes ao Senhor que, segundo o Papa Francisco, se distinguia fundamentalmente por três características: misericórdia, proximidade e doçura. “Esseé o estilo do Senhor: misericórdia, proximidade e doçura”. Jesus veio para salvar-nos, não para condenar-nos: abre teu coração, perdoa, justifica os outros, compreende, esteja também próximo ao outro, seja misericordioso, seja doce como Jesus. Quando vemos e amamos o mundo e os homensdessa maneira, quando os amamos com doçura, descobriremos que cada dia e cada coisa contém, escondido em si, um fragmento do mistério divino.[3]

Isso se encontra nas nossas Constituições, mas duma forma menos poética, pois falam da obrigação e de corresponsabilidade: “Fiel na oração, louvamos sempre o Senhor e intercedemos emfavor da salvação de todo o mundo”. “Chamados para a oração comunitária, devemos sem dúvida rezar ao Pai no oculto. Porém, deve expressar-se em toda oração a atitude fundamental do homem que na fé se agarra a Deus e vive com Ele numa relação de confiança. Assim podemos rezar continuamente.”[4]

3“P” de Peace     Jesus disse aos seus apóstolos: “Eu vos deixo a paz, Eu vos dou a minha paz” (oração na missa). Esta oração da paz antes da comunhão diz de forma clara e simples, de onde vem a paz. Ela é dom, legado e tarefa do Senhor para seus discípulos. Ele mesmo é a paz. Onde Ele está se encontra a paz. A sua mensagem é uma mensagem de paz para reconciliar o mundo e uni-lo a Deus. Paulo começa cada uma de suas epístolas com uma saudação de paz: “A vós, graça e paz da parte de Deus e do Senhor Jesus Cristo” (Rm 1, 7).  Aos Coríntios a saudação é quase idêntica. A epístola à comunidade colossense começa com: “A vós graça e paz da parte de Deus, nosso Pai” (Col 1, 1). Graça e paz, mas também misericórdia (2 Tim 1, 1) fazem parte da saudação oriental: ao saudar o outro sempre lhe é desejada a paz (shalom). Deve indicar-se que a intenção do encontro é pacífica, que se vem com as mãos vazias, sem armas; o desejo de paz escrito ou falado expressa a boa vontade para com o outro, e que não há astúcia ou ardil. De onde vem a capacidade para tratar o outro de tal maneira?  Na epístola aos Efésios, issoatribui-se a Cristo: “Ele é nossa paz”(Ef 2, 14). Ele uniu o que estava separado: “Mas agora, em Cristo Jesus, vós, que outrora estáveis longe, fostes trazidos para perto, pelo sangue de Cristo. Ele é nossa paz: de ambos os povos fez um só, tendo derrubado o muro de separação e suprimido em sua carne a inimizade –a Lei dos mandamentos expressa em preceitos – a fim de criar em si  mesmo um só homem novo, estabelecendo a paz, e de reconciliar a ambos em Deus em um só Corpo, por meio da cruz, na qual Ele matou a inimizade. Assim, Ele veio e anunciou paz “(Ef 2, 13-17). Toda separação foi vencida, pois todos nós temos, pelo único Espírito, acesso ao Pai. A paz com Deus, o ‘acesso ao Pai pelo único Espírito’ elimina tudo o que separa os homens e provoca oposição, vence todo o estranho e inimizado e nos torna todos filhos de Deus e irmãos uns do outros. Esse vínculo com Deus fundamenta a igualdade de todos os homens. Por issoPaulo conclui: “Foi para viver em paz que Deus vos chamou”(1 Cor 7, 15).

Agora trata-se de concretizar aquela tarefa de paz, e de realiza-la em nossa vida. Isso começa considerando os outros como irmãos e irmãs, antes de toda diferença de fé, de filosofia, de origem, da cor da pele e de sexo. Ao considerar o outro como um semelhante, criado por Deus, já se cria uma base de comunidade, de solidariedade e da mesma condição humana, antes de todas as diferenças. Aqui está o ponto de partida da encíclica papal “Fratelli tutti”[5]: começa com a descrição da dignidade, recordando o princípio da pessoalidade. “O Papa Francisco coloca a dignidade fundamental como ponto de partida para toda atividade humana e para toda estrutura social: o homem está central (“é central”, ou “está no centro”).”[6]“A fé (n. 85) oferece motivos importantes para aceitar o outro; pois, quem acredita, sabe que Deus ama todo homem com um amor infinito e, que lhe concede assim uma dignidade infinita”[7]. Ninguém fica excluído daquele amor abrangente. Quando, pensando na Trindade, buscamos a última fonte que é a vida íntima de Deus, encontramos uma comunidade de três pessoas, origem e modelo perfeito de toda vida e de toda comunidade. Estas ideias conduzem a dizer: “Cada homem tem o direito de viver em dignidade e de se desenvolver plenamente…..cada homem possui esta dignidade, mesmo quando presta pouco, mesmo quando nascido ou crescido com limitações. Pois isso não diminui a sua dignidade imensa de homem: esta não depende de circunstâncias, mas do valor de existir. Quando este princípio elementar não está garantido, não há futuro nem para a fraternidade, nem para a sobrevivência da humanidade.”                  Três coisas são essenciais para construir a paz, para abrir caminhos pacíficos: verdade, justiça e misericórdia. A verdade concerne à existência dos homens e sua dignidade transcendental. A justiça se empenha plenamente para que cada um possa conseguir o que é seu e, para que tenha o direito de ser ele mesmo e de ser diferente. A misericórdiaencontra, além do direito e da justiça, caminhos para perdoar, reconciliar-se e recomeçar  novamente. “A autêntica aceitação do outro é somente possível pelo amor; isso significa colocar-se no outro e descobrir nele o que é autêntico.

Na sua mensagem para o dia mundial da paz em 2020, o Papa Francisco traz mais um aspecto importante para a realização da paz. Fala da ‘cultura da sensibilidade’como caminho da paz, a fim de “eliminar a cultura hoje dominante da indiferença,do esbanjare do enfrentamento”. Isso parece ser uma atitude combativa, mas ela busca o contrário: quer precaução e delicadeza, quer uma atenção que se preocupa com o outro, que faz caso do irmão (“Acaso sou guarda de meu irmão?”gên 4, 9), que faz caso do ambiente e da criação, tendo em vista o seu bem. Trata-se da atenção para as obras de Cristo, observando como Ele se aproxima do pobre, do enfermo, do estrangeiro, do possessoe, muitas vezes o toca, liberta e cura. Na vida dos primeiros cristãos, vemos também a cultura da atenção:“A multidão dos que haviam crido era um só coração e uma só alma. Ninguém considerava exclusivamente seu o que possuía, mas tudo entre eles era comum”(At 4, 32).Isto se concretizava numa grande hospitalidade, em aberturae generosidade. “Transformavam-se as comunidades em lugares convidativos, abertos para toda situação humana e dispostas a preocupar-se com os fracos. O Papa Francisco conjuga a dignidade e os direitos da pessoa com o bem comum. É importante também, escutar o grito dos desprovidos e, ao mesmo tempo, o grito da Criação. Desta escuta atenta e contínua pode nascer uma atenção efetiva pela terra, – nossa casa comum – e pelos pobres. Ressentir de verdade o vínculo com os outros seres da natureza não é possível, sem um coração sensível, misericordioso e preocupado pelos homens. Diante das diversas necessidades em regiões de crise ou de guerra no mundo inteiro, o Papa, preocupado, pergunta: “Como podemos converter o nosso coração e mudar a nossa mentalidade, para buscar realmente a paz em solidariedade e fraternidade?” Somente quando seguimos a bússola de uma orientação verdadeiramente humana. Em muitas regiões do mundo precisa-se decaminhos de paz; necessitam-se fundadores de paz inspirados que estão dispostos a introduzir corajosamente processos para a cura e novos encontros. Terminando, o Papa resume mais uma vez o seu desejo: “Uma cultura da atenção no sentido de um empenho comunitário, solidário e participativo para proteger e promover a dignidade e o bem de todos, uma cultura da atenção no sentido de uma disponibilidade para estar decidido, para atender, para ser misericordioso e perdoar, para respeitar-se e aceitar-se mutuamente, – isso é o caminho por excelência para fundar paz.” (Capítulo 9).

Observando as nossas comunidades, rapidamente se torna claro que a cultura da atenção e da prevenção seria uma chave para a pacificação interior e para relações harmoniosasentre confrades e, mais geralmente, entre irmãos. Quando o Papa comtempla o mundo inteiro e a criação inteira, ele não esquece que o caminho da paz começa com passos pequenos, observando atentamente e apreciando o outro confrade com suas preocupações e necessidades, com seus medos e suas esperanças; o Papa não esquece queo passo para a reconciliação e para a aceitação do outro exige coragem, abertura e caridade; não esquece que, quando faltam atos concretos de amor e solidariedade, palavras bem intencionadas são insuficientes. Este caminho de paz deve orientar-se para dentro da própria comunidade e para onde chega a nossa influência e responsabilidade.Porém, cada caminho de paz supõe que se viva em paz consigo mesmo e com Deus, supõe que se siga a consciência e seja aceito por Deus. Em todo perigo no próprio coração, em muitas experiências de frustração e de inutilidade quando se tenta conservar a paz em si mesmo ou com outros, nos pode ajudar a oração formulada pelo Papa (é aqui um pouco adaptada às nossas comunidades):             “Peço ao Senhor que prepare nosso coração para o encontro com os homens, além das diferenças de visão, mentalidade e capacidade;que se digne ungir todo nosso ser com o óleo da sua misericórdia que cura as chagas dos erros, do desentendimento e dos conflitos;pedimos-lhe a graça de enviar-nos com humildade e bondade pelo caminho exigente, mas fecundo, da busca da paz.”

4“P” de poverty 

A nomeação de Norberto como arcebispo de Magdeburgo significou uma grande mudança:significava sair de Premontré “in eremo” no deserto, abandonar o convento rígido da reforma, para entrar na residência de um príncipe da Igreja. Norberto chega a Magdeburgo pés descalços, pobre como um mendigo; o porteiro não o reconheceu e o despede rude. Mas logo Norberto se encontrou bem naquele ambiente distinguido, pois na sua juventude tinha vivido em tal mundo. Godofredo, que fascinado pelo pregador itinerante Norberto, tinha abandonado todos os seus bens pela causa de Deus, deixa Magdeburgo decepcionado, pois não podia aceitar essa ruptura. Ela vai sustentar a luta contra o caminho mediano e assumirá no seu convento em Ilbenstadt o serviço mais humilde. Norberto contesta o caminho no nível governamental da Igreja e do império e, a partir da sua posição, trabalharápara o Reino de Deus e servirá a Igreja.

Pela sua saída de Premontré, a função diretiva ficou abandonada e Norberto se sentia obrigado a solucionar a situação. Hugo de Fosses era o sucessor desejado por Norberto e na sua ausência, ele foi eleito em Premontré. Norberto adiou a comunicação a Hugo. Porém, num sonho noturno Hugo experimentou que Norberto o apresentou ao Senhor ressuscitado como seu sucessor: “Este homem que Tu me confiaste, ó Senhor, eu apresento-o à sua santíssima Majestade”. Finalmente, após uns dias, comunicou oficialmente a Hugo e a todos: “Pela eleição dos irmãos na casa da nossa pobreza, tu me sucederás. Por isso, anda em nome do Senhor, pois a mão do Senhor estará sempre contigo”[8].

Com esta digressão na história da nossa Ordem, chegamos ao terceiro “P” de ‘poverty’, a pobreza.Norberto aderiu ao movimento radical de pobreza na grande reforma dos séculos onze e doze. Após a sua conversão, descobriu para si a vida na pobreza e da completa ascese que naquele tempo era formulada como: “seguir nu o Cristo nu”; renunciava-se a tudo, vivia-se de maneira simples e livre, dependendo só da misericórdia dos homens e da graça de Deus. Assim Norberto se desfez de seus privilégios e benefícios, para viver como pregador itinerante, proclamando a fé e construindo também a paz. Esta forma radical de vida teve eco e a Igreja a conservou numa fundação de vida religiosa. No dia de Natal de 1121, Norberto e seus companheiros fizeram votos em Premontré, querendo antes de tudo imitar, pobres, o Cristo pobre. Assim Premontré foi chamado “Casa da nossa pobreza”.

Quando o Papa Francisco usa a palavra chave ‘pobreza’, ele a liga com a ideia que nós temos que viver “entre os pobres, como Igreja pobre”. O lugar da Igreja está entre os pobres, porque, desde Puebla (1979) se fala da opção prioritária pelos pobres. O Papa quer orientar o olhar para os pobres, para os marginalizados, os sem voz que se encontram no lado sombrio da vida. Como pode ser que a morte de um pobre por efeito da temperatura gelada chame menos a atenção, do que a queda de valor de um par de percentuais na bolsa! Isto é dito de maneira provocante, mas indica uma falsa imagem do mundo e do homem. Querer corrigir essa situação errada, colocar os prejudicados e desclassificados no centro, seja em Lampedusa ou no Iraque, isso significa uma opção. Durante a eleição do papa, o cardeal Claudio Hummes de São Paulo teria dito a Francisco: ”Não esqueça os pobres”! Não podemos esquecer os pobres perto de nós ou em outro lugar, não podemos abandoná-los. Francisco disse uma vez ao capelão Konrad Krajewski(que depois se tornou cardeal): “Não deves entesourar o dinheiro, mas gastá-lo”, distribuí-lo entre os pobres. O Papa Francisco começou ele mesmo a praticar isso (como S. Norberto também fez), por um estilo simples na sua vida e residência, renunciando a todo luxo exterior, voltou-se para os homens, e nos seus contatos, às vezes bem pessoais, com pessoas afetadas por um desastre. Não se limita a apelos e palavras; ele coloca sinais e fatos. E quer sacudir o mundo.Assim dirigiu em 2014 um apelo aos religiosos: “Despertem o mundo! Andem para a periferia!” Ide para os homens, pregando como missionários, fundando a paz, de forma solidária com os pobres. Trata-se segundo ele, de melhorar a vida dos pobres e não somente de lamentar a sorte dos refugiados salvos do mar. Certo, devemos ajudarestes homens ,mas ao mesmo tempo devemos tocar as causas nos seus países de origem. Por “Laudato si”, o horizonte se tornou universal e mais urgente. A catástrofe climatológica toca sobretudo os países pobres e os homens que estão obrigados de sair de seu país, por causa da corrupção e da guerra, por causa da perseguição e da destruição do meio ambiente, por causa das catástrofes naturais que se multiplicam, ou simplesmente por causa da fome ou da existência ameaçada. Já em “Evangeliigaudium” foi dito: “Dai-lhes vós mesmos de comer” (Mc 6, 39), o que implica colaborar para eliminar as causas estruturais da pobreza e promover o pleno desenvolvimento dos pobres, mas isso implica também os mais simples gestos diários diante da miséria concreta que encontramos. As duas coisas são necessárias; a ajuda solidária e a ação política, misericórdia e uma inteligente política de desenvolvimento, internacionalmente coordenada.

Evidentemente, aquele objetivo internacional deve ser concretizado no nosso nível local. S. Norberto deu a seus irmãos uma triplatarefa na qual se encontram talvez esses três “P”, quando ele exige:

A         conservar a limpeza do altar, tratar com muito cuidado o altar e tudo o que nele se faz, e celebrar juntos os santos Mistérios, com dignidade e veneração. “No altar aparece a vida da fé e o zelo de nosso amor”. A isso corresponde o primeiro “P” (prayer): a atitude da pessoa e da comunidade diante de Deus.

B         o capítulo das culpas, a confissão das faltas e negligências em nossas relações mútuas, o empenho comunitário para melhorar a atenção mútua. “Pela confissão e a abertura, purificar a consciência e aumentar a atenção mútua!”A isso corresponde certamente o “P’ (Peace) de nosso empenho para viver em paz e harmonia conoscomesmos e com os outros.

C         praticar o amor para com os pobres e a hospitalidade para o próximo, abrir nossas casas para acolher os peregrinos e os necessitados. Aqui convém pensar no campo extenso da misericórdia corporal e espiritual. “Quem observa fielmente estes três pontos, não entrará nunca em dificuldade!”A isso corresponde finalmente o terceiro “P” (poverty): um estilo de vida simples que sabe partilhar com outros e mostrar solidariedade com os mais pobres.

5  Conclusão       ‘Vive entre os homens de tal maneira como se for visto por um deus”. O filósofo e autor romano LuciusAnnaeusSeneca que viveu do ano 4 antes de Cristo até o ano 65 depois de Cristo, foi um contemporâneo de Jesus. As relações com os homens devem impregnar-se de uma ética tão elevada, que aguentem a vista dos deuses, que suportem o juízo dos deuses. Aqui Jesus fala de amor: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo [9]. Aqui a medida se coloca no interior, no nosso próprio coração, na nossa própria responsabilidade que não desejaria que o outro seja pior tratado que ele mesmo. Jesus mesmo vai além deste amor, quando diz: “Este é meu mandamento: amai-vos uns aos outros como Eu vos amei. Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos. Vós sois os meus amigos (…)”(Jo 15, 12-13). Ele toma o seu amor para conosco como o critério para nós. Ele se entrega por nós. É finalmente este amor que nos deixa conviver numa só alma.  (“Eis as primeiras prescrições que recomendamos sejam observadas no mosteiro. Primeiramente, vivendo em comunidade, deveis viver em perfeito acordo, existindo entre vós um só coração e uma só alma em direção a Deus”[10]. É Cristo que nos acolhe no amor do Pai, que nos guarda no seu amor e nos anima para o louvor deste amor (Officiumlaudis) e nos chama a produzir muitos frutos nos quais levamos o seu amor para os homens (“ A comunhão em nossas comunidades se derramará por um amor que inclui todos os homens”[11]

[1]Osservatore Romano 4.12.2020

[2] Cristo é o novo dia, como o diz o hino premonstratense “Aeternalucisconditor, lux ipse totuset dies”.

[3]Osservatore Romano do 19.02.2021

[4]Constituiçsões, Rolduc 2018, nr 41b, 42.

[5] Papa Francisco, encíclica “Fratelli tutti”, sobre fraternidade e amizade social, Vaticano, 3.10.2020

[6] Anna Noweck, “Fratelli tutti”: de que trata-se?

[7] Citação de João Paulo II

[8]AlphonsZak, AusdemLebensbilddes hl. Norbert, Wien, 1900

[9] Lev. 19, 18; Mc 12, 31

[10] Regra de S. Agostinho, 1, 2

[11] Constituições 2018, Rolduc, n. 48

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